Amor de Perdição - Cap. 12: Capítulo 12 Pág. 82 / 145

– Significa que sou corregedor desta comarca, e que não protejo assassinos por ciúmes, e ciúmes da filha de um homem que eu detesto. Eu antes queria ver mil vezes morto Simão, que ligado a essa família. Escrevi-lhe muitas vezes dizendo-lhe que o expulsava de minha casa, se alguém me desse a certeza de que ele tinha correspondência com tal mulher. Não há-de querer a senhora que eu vá sacrificar a minha integridade a um filho rebelde, e demais a mais homicida.

D. Rita, algum tanto por afecto maternal e bastante por espírito de contradição, contendeu largo espaço; mas desistiu, obrigada pela insólita pertinácia e cólera do marido. Tão iracundo e áspero em palavras nunca o ela vira. Quando lhe ele disse: – «Senhora, em coisas de pouca monta o seu domínio era tolerável; em questões de honra, o seu domínio acabou: deixe-me!» – D. Rita, quando tal ouviu, e reparou na fisionomia de Domingos Botelho, sentiu-se mulher, e retirou-se.

A ponto foi isto de entrar o juiz de fora na sala de espera. O corregedor foi recebê-lo, não com o semblante afectuoso de quem vai agradecer a delicadeza e implorar indulgência, senão que, de carrancudo que ia, mais parecera ir ele repreender o juiz, por vir naquela visita dar a crer que a balança da justiça na sua mão tremia algumas vezes.

– Começo por dar a vossa senhoria os pêsames da desgraça de seu filho – disse o juiz de fora.

– Obrigado a vossa senhoria. Sei tudo. Está instaurado o processo?

– Não podia deixar eu de aceitar a querela.

– Se a não aceitasse, obrigá-lo-ia eu ao cumprimento dos seus deveres.

– A situação do senhor Simão Botelho é péssima. Confessa tudo. Diz que matou o algoz da mulher que ele amava…

– Fez muito bem – interrompeu o corregedor, soltando uma casquinada seca e rouca.

– Perguntei-lhe se foi em defesa, e fiz-lhe sinal que respondesse afirmativamente. Respondeu que não; que, a defender-se, o faria com a ponta da bota, e não com um tiro. Busquei todos os modos honestos de o levar a dar algumas respostas que denotassem alucinação ou demência; ele, porém, responde e replica com tanta igualdade e presença de espírito, que é impossível supor que o assassínio não foi perpetrado muito intencionalmente e de claro juízo.





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