Carlos cismava na aplicação da anedota, quando o dominó lhe disse, adivinhando-lhe o pensamento:
- “Não creias que eu seja mulher de nariz de cera, nem me suponhas capaz de assombrar-te com a minha fealdade. A minha modéstia não vai tão longe... Mas, meu pacientíssimo amigo, há em mim um defeito pior que um nariz enorme: não é físico nem moral; é um defeito repulsivo e repelente: é uma coisa que eu não sei exprimir-te com a linguagem do inferno, que é a única e mais eloquente que eu sei falar, quando me lembro que sou assim defeituosa!”
- “És um enigma!...” - atalhou Carlos, embaraçado, e convencido de que encontrara um tipo maior que os moldes tacanhos da vida romanesca em Portugal.
- “Sou, sou!...” - acudiu ela com rapidez - “sou aos meus próprios olhos um dominó, um continuado carnaval de lágrimas... Está bom! Não quero tristezas... Se me tocas na tecla do sentimentalismo, deixo-te. Eu não vim aqui fazer papel de dama dolorida. Soube que estavas aqui, procurei-te, esperei-te mesmo com ansiedade, porque sei que és espirituoso, e podias, sem prejuízo da tua dignidade, ajudar-me a passar algumas horas de ilusão. Fora daqui, tu ficas sendo Carlos, e eu serei sempre uma incógnita muito grata ao seu companheiro. Agora acompanha-me: vamos ao camarote 10 da segunda ordem. Conheces aquela família?”
- “Não.”
- “É uma gente da província. Não digas tu nada; deixa-me falar a mim, e verás que não passas mal... É muito orgulho, não achas?”
- “Não acho, não, minha querida; mas eu antes queria não desperdiçar estas horas porque fogem. Tu vais falar, mas não é comigo. Sabes que tenho ciúmes de ti?”
- “Sei que tens ciúmes de mim... Sabes tu que eu tenho um profundo conhecimento do coração humano? Já vês que não sou a mulher que imaginas, ou quererias que eu fosse.