Este romance não deverá chamar-se "romance". Desde que esta palavra é o atilho onde se enfeixam as mentirosas invenções do escritor fantástico, não há história verdadeira que possa, como tal, recomendar-se com aquele título.
Estes acontecimentos, expostos aqui, segundo o formulário romântico, e afeiçoados às leis do estilo romântico, são verdades que não deram brado, nem se agravaram na memória da geração que as viu e as não compreendeu.
Na vida moral da sociedade há fenómenos cuja causa ninguém estuda. No drama da família há lances que são do domínio público, e o público não pode, ainda que o tente, explicá-los. Nas atribuições individualíssimas do homem há fases extraordinárias de sofrimento, que esta sociedade de entranhas cruéis lhe recrimina, reputando-lhes efeitos necessários das causas, consequências do crime voluntário.
A sociedade, a família, e o homem expiam incessantemente a culpa do homem, da família e da sociedade. Opera-se uma contínua redenção do género humano. O homem é, desde o seu princípio, a vítima da culpa com o lábio colocado no cálice da agonia.
A vida sobre a terra é uma interminável expiação. Eu pago pelos crimes do meu pai, meus filhos expiando meus crimes, e o último ser vivo da animalidade inteligente será o holocausto do primeiro homem criminoso. É forçoso recorrer ao inconcebível, ao sobrenatural, ao misticismo da providência oculta para compreender o que vulgarmente se diz "fatalidade".
Na história, que vai ser lida, é tão sensível esta necessidade, tão aterrado se sente o espírito diante de um facto consumado, que eu não tive escrúpulo religioso ou filosófico em subordinar um encadeamento de infortúnios de uma família à praga rogada nas escadas da forca.