XII Neste momento entrou um homem que redobrou o espanto. Era Pedro Leite, pai de João Leite.
Este homem fez sinal de querer falar. Atenderam-no todos com religioso respeito.
As suas palavras foram estas:
- Perdoo ao assassino de meu filho! O sangue desse homem cairá sobre a minha face! Matou defendendo-se dum agressor infame! Senhor juiz de fora, requeiro a suspensão da execução da sentença. Eu sou parte, e declaro inocente o réu!
Seguiram-se minutos duma estupefacção natural. Eulália voltou os olhos para o homem que falara, quis arrastar-se de joelhos aos pés dele; não pôde; a impressão devia matá-la, ou ressuscitá-la...desmaiou a meio caminho.
O juiz era o algoz moral criado pelo ouro, assim como o carrasco físico fora criado pela lei. Não podia eximir-se a pegar do cutelo, e seguir seu caminho.
- É tarde! - respondeu ele.
- Não é tarde! - replicou Pedro Leite, e continuou com solene exaltação: - Tarde, senhor juiz, é depois que o tribunal do mundo se fecha atrás daquele que vai entrar no tribunal de Deus! Tarde, é quando um juiz de entranhas ferozes se apresenta no banco dos réus condenados com a face borrifada de sangue inocente!
- Basta! - exclamou Paulo Botelho com autoridade.
- Pois sim... basta! Mas, abaixo de Deus, invoco o testemunho das pessoas que me escutam. Declaro que lavo as mãos deste sangue inocente que vai ser derramado!
O povo murmurou com acanhamento, com a consciência cobarde da sua nulidade, mas balbuciou não sei que palavras que irritaram o juiz.
- Não se trata só de punir o assassino de João Leite! - exclamou o juiz - Trata-se de castigar a afronta que recebeu um nobre, feita por um lacaio que ousou levantar olhos de mamente para sua filha!
- Não, não! - gritou Eulália, erguendo-se com ímpeto, com as mãos postas, e caindo outra vez sobre os joelhos.