Um ano depois, Bernardo fizera admiráveis progressos. Lia com inteligência do que lia; escrevia com acerto, e aprendera só consigo a gramática portuguesa, visto que seus amos lhe tinham permitido esta segunda parte dos seus estudos. Seria um caprichoso luxo permitir ao servo ciência que os amos não tinham! O Senhor de Lucena não daria o menor dos seus galgos pela vasta ciência do Lobato. E, talvez, tivesse razão.
Em casa de fidalgo desta bitola, quando um criado adquire a confiança dos amos, há sempre para isso uma de duas razões. Ou o criado, devasso como eles, encobre astuciosamente as devassidões dos amos; ou se torna estimável pelo zelo honroso com que procura encobrir-lhas, já que não pode repreender-lhas.
Bernardo estava na segunda razão. Os filhos de Lucena eram livres e desmoralizados a não poder ser mais. Quiseram captar a benevolência do servo, não para aconselhá-los, que não desciam eles a isso, mas para acompanhá-los em empresas difíceis, daquelas em que o braço do plebeu é muitas vezes a salvação das costas do fidalgo.
Não o conseguiram nunca; mas também não tiveram de arrepender-se da confiança desse convite. Bernardo exercia uma influência admirável sobre os nobres libertinos. Era a superioridade da inteligência. Ouviam-no, e maravilhavam-se do acerto das suas ideias, e da linguagem escolhida com que o enjeitado se saía! O facto de ser enjeitado era em Bernardo, talvez, um motivo de superstição naquela casa. Se ele fosse reconhecido filho dalgum borra-botas, como em linguagem nobiliárquica se chama um plebeu, decerto lhe não dariam a importância de o considerarem pela inteligência. Mas o mistério, a possibilidade de ser vergôntea infeliz dum tronco ilustre, cingiam-lhe a fronte duma auréola entre