A Cidade e as Serras - Cap. 9: CAPÍTULO IX Pág. 161 / 238

Depois, adiante da fonte da Lira, como o caminho se alongava, e desejássemos poupar o nosso velho abade, cortámos através de uma seara, já alta, quase madura, toda entremeada de papoulas. O sol radiou: sob a brisa larga, que levara a névoa, toda a messe ondulou numa lenta vaga dourada, em que se balouçavam os esquifes; e, como enorme papoula, a mais vermelha, rutilava o guarda-sol de paninho logo aberto pelo sacristão para abrigar o abade.

Jacinto tocou no meu cotovelo: - Que lindos vamos! Ora vê tu a Natureza... Num simples enterrar de ossos, quanta graça e quanta beleza!

Na capelinha, nova, dominando o vale da Carriça, solitária e muito nua, no meio de um adro, ainda mal alisado, sem uma verdura de relva, uma frescura de arbusto, dois rapazes seguravam à porta molhos de tochas, que o Silvério distribuiu, a passos graves, com cortesias, soleníssimo. Dentro as curtas chamas mal luziam, mal derramavam a sua amarelidão triste, esbatidas na reluzente brancura dos muros estucados, na jovial claridade que caía das altas vidraças bem polidas. Em torno dos esquifes, pousados sobre bancos, que pesados veludilhos recobriam, o abade murmurava um suave latim, enquanto ao fundo as mulheres, sumidas na sombra dos seus negros lenços, gemiam améns agudos, abafavam um respeitoso soluço. Depois, tomando levemente o hissope, ainda o bom abade aspergiu, para uma derradeira purificação, os incertos ossos dos incertos Jacintos. E todos desfilámos por diante do meu Príncipe, timidamente encostado à umbreira, com o Silvério ao lado esmagando contra o peitilho as barbas imensas, a face descaída, cerradas as pálpebras como contendo lágrimas.

No adro, o meu Príncipe acendeu regaladamente uni cigarro pedido ao Melchior: - E então, Zé Fernandes, que te pareceu a cerimoniazinha? - Muito campestre, muito suave, muito risonha.





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