.. Uma delícia. Mas o abade, que se desvestira na sacristia, apareceu, já com o seu grande casaco de lustrina, o seu velho chapéu desabado, trazidos pelo rapaz da residência, num saco de chita. Jacinto imediatamente lhe agradeceu tantos cuidados, a afável hospitalidade que oferecera aos ossos, durante a construção da capelinha nova. E o suave velho, todo branquinho, de faces ainda menineiras e coradas, com um claro sorriso de dentes sadios, louvava Jacinto, que assim viera de tão longe, em tão longa jornada, para cumprir aquele dever de bom neto.
- São avós muito remotos, e agora tão confusos! - murmurava Jacinto, sorrindo. - Pois mais mérito ainda o de Vossa Excelência. Respeitar um avô morto, bem é corrente... Mas respeitar os ossos de um quinto avô, de um sétimo avô!
- Sobretudo, senhor abade, quando deles nada se sabe, e naturalmente nada fizeram.
O velho sacudiu risonhamente o dedo gordo: - Ora quem sabe, quem sabe! Talvez fossem excelentes! E por fim, quem muito se demora no mundo, como eu, termina por se convencer que no mundo não há coisa ou ser inútil. Ainda ontem eu lia num jornal do Porto, que por fim, segundo se descobriu, são as minhocas que estrumam e lavram a terra, antes de chegar o lavrador e os bois com o arado. Até as minhocas são úteis. Não há nada inútil... Eu tinha lá na residência uma porção de cardos a um canto da horta, que me afligiam. Pois refleti e terminei por me regalar com eles em xarope. Os avós de Vossa Excelência por cá andaram, por cá trabalharam, por cá padeceram. Quer dizer: por cá serviram. E, em todo o caso, que lhes rezemos um padre-nosso por alma, não lhes pode fazer senão bem, a eles e a nós.
E assim, docemente filosofando, parámos num souto de carvalheiras, onde esperava a velhíssima égua do abade, porque o santo homem agora, depois do reumatismo do último Inverno, já não afrontava rijamente como antes os trilhos duros da serra.