O Pai Goriot - Cap. 1: O PAI GORIOT Pág. 18 / 279

Talvez esteja na natureza humana tudo fazer suportar a quem sofre tudo com a humildade da verdade, por fraqueza ou por indiferença. Não gostamos, nós, de provar a nossa força à custa de alguém ou alguma coisa? O ser mais fraco, o miúdo que toca a todas as portas quando está frio, ou vai escrever o nome num monumento virgem.

O Pai Goriot, com mais ou menos 69 anos, tinha-se retirado para a casa da senhora Vauquer, em 1813, após ter deixado os negócios. Tinha inicialmente ocupado o apartamento da senhora Couture e pagava na altura duzentos francos de pensão, como homem para quem cinco luíses de mais ou de menos não tinham importância. A senhora Vauquer tinha arranjado os três quartos desse apartamento em troca de uma indemnização antecipada que pagou, diz-se, o valor de um mobiliário horroroso composto de cortinas de algodão amarelo, cadeirões de madeira envernizada, estofados com um veludo de Utrecht, algumas pinturas de têmpera, e alguns prospectos que os cabarés das redondezas recusavam. Talvez a despreocupada generosidade com que o pai Goriot se deixou levar, que por essa altura era respeitosamente chamado de senhor Goriot, fê-la pensar que ele não passava de um imbecil que não percebia nada de negócios. Goriot trouxe com ele um conjunto de roupa bem fornecido, o enxoval magnífico do negociante que não se recusa nada quando sai do comércio. A senhora Vauquer tinha admirado dezoito camisas de pano de meia holanda, cuja fineza era tão notável quanto o facto de o fabricante de aletria usar na prega do peitilho dois alfinetes unidos por uma correntezinha, e cada um deles com um grosso diamante. Normalmente vestido com um fato-casaco azul-claro, usava todos os dias um colete de piqué branco, debaixo do qual flutuava a barriga em forma de pêra e proeminente, que fazia ressaltar uma pesada corrente de ouro cheia de berloques.





Os capítulos deste livro