A Linha de Sombra - Cap. 8: VI Pág. 129 / 155

VI

Quando subimos para o tombadilho, veio-me à ideia que devia estar um homem ao leme. Ergui a voz não muito acima de um sussurro e, silencioso, um espírito paciente num corpo devastado pelas febres surgiu à lua, a ré, a cabeça de olhos escavados, iluminada contra a treva que devorava para nós o mundo... - e o universo. O antebraço nu, cobrindo as malaguetas da parte de cima da roda do leme parecia fosforescer com uma luminosidade própria. Eu disse em voz baixa àquela aparição fosforescente:

«Aguenta o leme bem a meio.»

A aparição respondeu num tom de sofrimento paciente: «O leme a meio.»

Depois, desci à tolda. Não se podia saber de que lado viria o embate. Olhar em redor do navio era como olhar para um poço sem fundo e às escuras. A vista perdia-se em toda uma profundidade inconcebível. Quis ter a certeza de que os cabos haviam sido colhidos no convés. Só era possível ver disso tacteando com o pé. Ao deslocar-me assim cautelosamente fui de encontro a um homem em quem reconheci Ransome. Ele possuía uma robustez física tão inconfundível que lhe fui sensível ao primeiro contacto. Estava encostado ao cabrestante da tolda e não disse uma palavra. Para mim, foi uma revelação. Era seu, com efeito, o vulto quebrado pelo soluços de falta de ar que eu observara antes de nos termos dirigido para o tombadilho.

«Você estava a dar uma mão na vela grande!», exclamei para ele, em voz baixa.

«Sim, senhor», ouvi-o responder-me com a sua voz tranquila.

«Homem! Que vem a ser isso? Você não deve fazer uma coisa dessas.»

Após alguns instantes de silêncio, ele assentiu: «Sim, suponho que não devo». E passado novo intervalo de silêncio pouco duradouro, acrescentou: «Agora já me sinto bem», numa voz rápida, arquejando de modo revelador.





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