A Linha de Sombra - Cap. 4: II Pág. 61 / 155

Senti o peito a baquear... - um baque apenas, como se me tivesse deixado de bater o coração. Estavam dez ou mais navios amarrados ao longo da margem, e o que ele me apontara encontrava-se em parte escondido por aquele dos outros que lhe ficava mais perto da popa. «Com a corrente, não tarda que lhe passemos pelo través», acrescentou ele.

Que tom era o daquelas palavras? Trocista? Ameaçador?

Simplesmente indiferente? Não conseguia decidir-me. Suspeitei de uma certa malícia naquela tão inesperada manifestação de interesse pelos meus assuntos.

Depois deixou-me sozinho e eu encostei-me à balaustrada da ponte, olhando as águas por cima da borda. Não ousava levantar os olhos. Mas tinha que ser... - e realmente, não pude conter-me. Acho que devia estar a tremer.

Mas logo que os meus olhos encontraram o meu navio todos os receios se desfizeram.

Tudo se foi como um pesadelo. Só que um pesadelo não nos deixa o mais pequeno sentimento de vergonha, e a verdade é que eu sentia uma vergonha passageira pelas minhas desconfianças pouco dignas.

Sim, lá estava ele. O casco, o aparelho, deixaram-me os olhos repletos de satisfação. Aquela impressão de vazio da vida que me pusera tão agitado ao longo dos últimos meses perdera a amargura da sua verosimilhança, a sua influência má, e estas desfizeram-se numa torrente de emocionada alegria.

À primeira olhadela, vi logo que se tratava de uma embarcação de belo estilo, uma criação cheia de harmonia em cada linha do seu corpo delicadamente configurado, na guinda bem proporcionada dos mastros. Não importavam realmente a sua idade e a sua história: os seus sinais de origem permaneciam intactos. Era um desses navios que nunca parecem velhos devido à perfeição dos seus traços e do seu acabamento.





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