A Linha de Sombra - Cap. 6: IV Pág. 96 / 155

Enquanto falava, eu tremia com medo de que o seu esforço enérgico lhe tirasse a vida ali diante dos meus olhos. Mas não podia negar que havia algo de reconfortante na sua boa vontade. Respondi-lhe do melhor modo possível, mas fiz-lhe ver que a única coisa que nos podia realmente ajudar seria o vento: um vento a favor.

Ele moveu impacientemente a cabeça no travesseiro. E não foi nada, mesmo nada, reconfortante ouvi-lo começar a murmurar desordenadamente uma história acerca do antigo capitão, o velho que tinham deitado ao mar a 8° sul de latitude precisamente no percurso da nossa rota... - e que estaria de sentinela à entrada do golfo.

«Está ainda a pensar no antigo capitão, senhor Burns?», disse-lhe eu. «Acho que os mortos não conservam nenhuma má vontade contra os vivos. Não se preocupam com eles.»

«O senhor é que não o conheceu», respondeu-me, respirando debilmente.

«Não, não o conheci, nem ele a mim. Por isso não pode de maneira nenhuma ter quaisquer razões de queixa minhas.»

«Sim. Mas há todo o resto da tripulação a bordo», insistiu ele.

Tive a impressão de que a força irresistível do senso comum estava a ser insidiosamente minada por aquela louca ilusão de arrepiar. E disse:

«O senhor não devia falar tanto. Assim cansa-se.»

«E há também este navio», teimou Burns, num fio de voz.

«Vamos lá, nem mais uma palavra», disse eu, aproximando-me dele e pondo-lhe a mão na testa, que senti estar agora fresca. Isso era para mim prova de que aquele horrível absurdo mergulhava as suas raízes no próprio indivíduo e não na sua doença, a qual lhe esgotara, entretanto, todas as forças físicas e mentais, à excepção daquela ideia fixa,

Durante alguns dias, evitei dar a Burns qualquer oportunidade de conversa.





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