Em extremo contente, satisfeito e vanglorioso ia D. Quixote, por ter alcançado vitória de tão valente cavaleiro, como ele imaginava que era o dos Espelhos, de cuja cavalheiresca palavra esperava saber se o encantamento da sua dama continuava, pois que era forçoso que o tal cavaleiro, sob pena de o não ser, voltasse a referir-lhe o que lhe tivesse com ela sucedido. Mas uma coisa pensava D. Quixote e outra o dos Espelhos, ainda que este por então só cuidava em procurar sítio onde curar-se, como já se disse. Conta, pois, a história que, quando o bacharel Sansão Carrasco aconselhou a D. Quixote que voltasse a prosseguir nas suas abandonadas cavalarias, foi por ter combinado com o cura e o barbeiro o meio de que se haviam de servir para obrigar D. Quixote a estar em sua casa, quieto e sossegado, sem o alvorotarem as suas mal procuradas aventuras; de cujo conselho saiu, por voto comum de todos e parecer particular de Sansão, que deixassem partir D. Quixote, pois que parecia impossível sustê-lo, e que o bacharel Carrasco lhe saísse ao caminho como cavaleiro andante, e travasse batalha com ele, que não faltaria pretexto, e o vencesse, tendo isso por coisa fácil, e que se pactuasse e combinasse que o vencido ficasse à mercê do vencedor; e o bacharel cavaleiro ordenaria ao vencido D. Quixote que voltasse para a sua terra e casa e ali se demorasse durante dois anos ou até nova ordem, o que era claro que D. Quixote, vencido, cumpriria indubitavelmente, por não faltar às leis da cavalaria, e podia ser que durante o tempo da sua reclusão se esquecesse das suas vaidades, ou se pudesse procurar para a sua loucura algum remédio conveniente.