Extremamente pensativo, ia D. Quixote seguindo o seu caminho e considerando na burla que lhe tinham pregado os nigromantes, com o transformarem a sua senhora Dulcineia na desastrada figura duma aldeã, e não imaginava que remédio se podia empregar para que voltasse ao seu primeiro ser; e estes pensamentos punham-no tão fora de si, que, sem dar por isso, soltou as rédeas a Rocinante, o qual, sentindo a liberdade que lhe concediam, a cada passo se detinha para pastar a verde relva que por aqueles campos abundava. Tirou-o Sancho Pança da sua distração, dizendo-lhe:
— Senhor, as tristezas não se fizeram para os brutos, e sim para os homens; mas se os homens sentem demasiadamente, embrutecem; Vossa Mercê tenha conta em si e colha as rédeas a Rocinante, reviva e desperte, e mostre aquela galhardia que costumam ter os cavaleiros andantes.
Que diabo é isso? que descaimento é esse? Estamos aqui ou em França? Diabos levem quantas Dulcineias houver no mundo, pois vale mais a saúde só de um cavaleiro andante, que todos os encantamentos e transformações da terra.
— Cala-te, Sancho — tornou D. Quixote, com voz muito desmaiada — cala-te, repito, e não digas blasfêmias contra aquela infeliz senhora, que da sua desgraça e desventura só eu tenho culpa; da inveja que os maus me têm proveio o seu infortúnio.
— O mesmo digo eu — respondeu Sancho — quem a viu e quem a vê! qual é o coração que não chora com transformação semelhante?
— Isso não podes tu dizer, Sancho — redarguiu D. Quixote — pois que a contemplaste na cabal plenitude da sua formosura, que o encanto não se estendeu a turbar-te a vista, nem a encobrir-te