Amor de Perdição - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 5 / 145

O juiz de fora de Cascais, solicitando lugar de mais graduado banco, demorava em Lisboa, na freguesia da Ajuda, em 1784. Neste ano é que nasceu Simão, o penúltimo de seus filhos. Conseguiu ele, sempre balanceado da fortuna, transferência para Vila Real, sua ambição suprema.

A distância de uma légua de Vila Real estava a nobreza da vila esperando o seu conterrâneo. Cada família tinha a sua liteira com o brasão da casa. A dos Correias de Mesquita era a mais antiquada no feitio, e as librés dos criados as mais surradas e traçadas que figuravam na comitiva.

D. Rita, avistando o préstito das liteiras, ajustou ao olho direito a sua grande luneta de oiro, e disse:

– Ó Meneses, aquilo que é?

– São os nossos amigos e parentes que vêm esperar-nos.

– Em que século estamos nós nesta montanha? – tornou a dama do paço.

– Em que século?! O século tanto é dezoito aqui como em Lisboa.

– Ah! sim? Cuidei que o tempo parara aqui no século doze… O marido achou que devia rir-se do chiste, que o não lisonjeara grandemente.

Fernão Botelho, pai do juiz de fora, saiu à frente do préstito para dar a mão à nora, que apeava da liteira, e conduzi-la à de casa. D. Rita, antes de ver a cara de seu sogro, contemplou-lhe a olho armado as fivelas de aço, e a bolsa do rabicho. Dizia ela depois que os fidalgos de Vila Real eram muito menos limpos que os carvoeiros de Lisboa. Antes de entrar na avoenga liteira de seu marido, perguntou, com a mais refalsada seriedade, se não haveria risco em ir dentro daquela antiguidade. Fernão Botelho asseverou a sua nora que a sua liteira não tinha ainda cem anos, e que os machos não excediam a trinta.

O modo altivo como ela recebeu as cortesias da nobreza – velha nobreza, que para ali viera em tempo de D. Dinis, fundador da vila – fez que o mais novo do préstito, que ainda vivia há doze anos, me dissesse a mim: «Sabíamos que era dama da Senhora D. Maria I; porém da soberba com que nos tratou ficamos pensando que seria ela a própria rainha.» Repicaram os sinos da terra, quando a comitiva assomou à Senhora de Almodena. D. Rita disse ao marido que a recepção dos sinos era a mais estrondosa e barata.





Os capítulos deste livro