– Isso são sonhos, Mariana!…
– São sonhos, são; mas eu nunca sonhei nada que não acontecesse. Quando meu pai matou o almocreve, tinha eu sonhado que o via a dar um tiro noutro homem; antes de minha mãe morrer, acordei eu a chorar por ela, e mais ainda viveu dois meses… A gente da cidade ri-se dos sonhos, mas Deus sabe o que isto é… Aí vem meu pai… Senhor dos Passos! Não vá ser uma má nova!…
João da Cruz entrou com uma carta que recebeu da pobre do costume. Enquanto Simão leu a carta escrita do convento, Mariana fitou os seus grandes olhos azuis no rosto do académico, e, a cada contracção do rosto dele, angustiava-se-lhe a ela o coração. Não teve mão da sua ânsia, e perguntou:
– É notícia má?
– Tu és muito atrevida, rapariga! – disse João da Cruz.
– Não é, não – atalhou o estudante. – Não é má a notícia, Mariana. Senhor João, deixe-me ter na sua filha uma amiga, que os desgraçados é que sabem avaliar os amigos.
– Isso é verdade; mas eu não me atrevia a perguntar o que a carta diz.
– Nem eu perguntei, meu pai; foi porque me pareceu que o Sr. Simão estava aflito quando lia.
– E não se enganou – tornou o doente, voltando-se para o ferrador. – O pai arrastou Teresa ao convento.
– Sempre é patife duma vez! – disse o ferrador, fazendo com os braços instintivamente um movimento de quem aperta entre as mãos um pescoço.
Neste lance, um observador perspicaz veria luzir nos olhos de Mariana um clarão de inocente alegria.