Amor de Perdição - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 8 / 145

Não tenho assunto de tradição com que possa deter-me em miudezas da vida do provedor em Lamego. Escassamente sei que

D. Rita aborrecia a comarca, e ameaçava o marido de ir com os seus cinco filhos para Lisboa, se ele não saísse daquela intratável terra. Parece que a fidalguia de Lamego, em todo o tempo orgulhosa duma antiguidade que principia na aclamação de Almacave, desdenhou a filáucia da dama do paço, e esmerilhou certas vergônteas podres do tronco dos Botelhos Correias de Mesquita, desprimorando-lhe as sãs com o facto de ele ter vivido dois anos em Coimbra tocando flauta.

Em 1801, achamos Domingos José Correia Botelho de Mesquita corregedor em Viseu.

Manuel, o mais velho de seus filhos, tem vinte e dois anos, e frequenta o segundo ano jurídico. Simão, que tem quinze, estuda humanidades em Coimbra. As três meninas são o prazer e a vida toda do coração de sua mãe.

O filho mais velho escreveu a seu pai queixando-se de não poder viver com seu irmão, temeroso do génio sanguinário dele. Conta que a cada passo se vê ameaçado na vida, porque Simão emprega em pistolas o dinheiro dos livros, convive com os mais famosos perturbadores da academia, e corre de noite as ruas insultando os habitantes e provocando-os à luta com assuadas. O corregedor admira a bravura de seu filho Simão, e diz à consternada mãe que o rapaz é a figura e o génio de seu bisavô Paulo Botelho Correia, o mais valente fidalgo que dera Trás-os-Montes.

Manuel, cada vez mais aterrado das arremetidas de Simão, sai de Coimbra antes de férias e vai a Viseu queixar-se, e pedir que lhe dê seu pai outro destino. D. Rita quer que seu filho seja cadete de cavalaria. De Viseu parte para Bragança Manuel Botelho, e justifica-se nobre dos quatro costados para ser cadete.

No entanto, Simão recolhe a Viseu com os seus exames feitos e aprovados. O pai maravilha-se do talento do filho, e desculpa-o da extravagância por amor do talento. Pede-lhe explicações do seu mau viver com Manuel, e ele responde que seu irmão o quer forçar a viver monasticamente.





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