Bem longe estava eu de compreender este zelo de virtuosa honestidade, quando a mão de um demónio me tirou a venda dos olhos.
» Vasco amava Laura!! Eu pus dois pontos de admiração, mas acredita que foi uma urgência retórica, uma composição artística, que me obrigou a admirar-me, escrevendo, de coisas que me não admiram, pensando.
» Que é o que levou tão depressa este homem a aborrecer-me, pobre mulher, que desprezei o mundo, e me desprezei a mim própria para satisfazer-lhe o capricho de alguns meses? Foi uma miséria que ainda hoje me envergonha, suposto que esta vergonha devesse ser um reflexo das faces dele... Vasco amava a filha do visconde do Prado, a Laura de alguns meses antes, porque a Elisa de hoje era a herdeira de não sei quantos centos de contos de réis.
» Devo envergonhar-me de ter amado este homem, não é verdade, Carlos? Não devo sofrer um instante a perda de um miserável, que eu vejo daqui com uma grilheta de ouro algemada a uma perna, tapando em vão os ouvidos para não ouvir-lhe o ruído... a sentença do forçado que o segue até ao fim de uma existência farta de opróbrio, e célebre de infâmias! E não sofro, Carlos! Tenho aqui no seio uma úlcera que não tem cura... Choro, porque é intensa a dor que ela me causa... Mas, olha, não tenho lágrimas que não sejam remorsos... Não tenho tenho remorsos que não sejam picados pela afronta que fiz a minha mãe, e a meu irmão... Não me dói o meu próprio aviltamento, não! Se em minha alma cabe algum entusiasmo, algum desejo, é o entusiasmo da penitência, é o desejo de torturar-me...
» Fugi tanto da história, meu Deus!... Desculpa estes desvios, meu paciente amigo!... Eu queria correr muito sobre o que falta, e hei-de consegui-lo, porque não posso parar, e temo de me converter em estátua, como a mulher de Loth, quando olho com atenção para o meu passado.