A Vida Amorosa de Moll Flanders - Cap. 2: A vida amorosa de Moll Flanders Pág. 180 / 359

Contei-lhe a história do meu casamento no Lancashire, a decepção que ambos sofrêramos, a nossa separação e a maneira absoluta como meu marido me libertara dos meus compromissos na medida em que estava ao seu alcance fazê-lo, e me dera inteira liberdade para voltar a casar, afirmando que, se o soubesse, jamais me reclamaria, apoquentaria ou denunciaria. Acrescentei que me julgava livre, mas receava terrivelmente arriscar-me, com medo das consequências, no caso de ser descoberta.

Depois falei-lhe da boa proposta que recebera e mostrei-lhe as duas últimas cartas do meu amigo, em que me incitava a regressar a Londres, para que visse o afecto e a sinceridade com que as escrevera, mas tive o cuidado de ocultar a assinatura e a história trágica do falecimento da mulher, deixando-a ler apenas que ela morrera.

Riu-se dos meus escrúpulos em voltar a casar e garantiu-me que o anterior não fora um casamento, mas sim um logro de ambos os lados e que, como nos separáramos de comum acordo, a natureza do contrato estava destruída e a obrigação mutuamente revogada. Tinha argumentos para tudo na ponta da língua e acabou por me demonstrar que estava certo o que estava errado, para o que, diga-se em abono da verdade, muito contribuiu o meu próprio desejo.

Chegámos então à grande e principal dificuldade: a criança. Esta devia desaparecer, disse-me sem rodeios, e de maneira que nunca fosse possível a ninguém descobri-la. Eu sabia que escusava de pensar em casar se não ocultasse em absoluto que tivera um filho, pois ele perceberia, pela sua idade, que nascera e, pior ainda, fora concebido depois de nos conhecer- mos, e isso deitaria tudo a perder.

Mas doía-me tanto o coração só de imaginar que teria de me separar para sempre do menino, e que ele podia ser assassinado ou passar fome e maus tratos (o que ia a dar no mesmo), que semelhante ideia me horrorizava.





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