Desejaria que todas as mulheres que consentem em «tirar os filhos do caminho», como dizem, por amor da decência, pensassem que isso é apenas uma forma de assassínio, ou seja, uma maneira de assassinarem os seus filhos com segurança.
É manifesto para todos aqueles que percebem alguma coisa de crianças que vimos a este mundo desamparados e incapazes de prover às nossas próprias necessidades, e até de as dar a conhecer, e que, portanto, sem auxílio, pereceremos. Este auxílio deve ser ministrado por mão alheia, quer da mãe, quer de outrem, mas com carinho e perícia; sem estas duas últimas coisas, metade das crianças morreriam, embora não lhes faltassem alimentos, e metade das restantes seriam aleijadas ou idiotas, perderiam os membros e talvez o juízo. Não duvido que essa seja, em parte, a razão por que a natureza colocou o amor pelos filhos no coração das mães, pois sem esse sentimento elas não poderiam esquecer-se de si próprias, como se esquecem, para se dedicarem aos cuidados e trabalhos de os criar.
Como esses cuidados e carinhos são essenciais à vida das crianças, privá-las deles é assassiná-las. Do mesmo modo, entregá-las aos cuidados de pessoas em cujo coração a natureza não instilou o amor necessário é negligenciá-las ao máximo e, às vezes, pior ainda do que isso, pois a incúria tem por fim perdê-las, tratando-se, portanto, de assassínio premeditado, quer a criança viva, quer morra.
Todas estas coisas se apresentaram ao meu pensamento da maneira mais negra e assustadora a fui muito franca com a minha governanta, a quem entretanto começara a tratar por mãe. Confiei-lhe os negros pensamentos que a ideia me provocava e a angústia que sentia e ela pareceu-me mais séria do que antes. Mas estava tão endurecida com todas aquelas coisas que, assim como não a comoviam o aspecto religioso da questão e os escrúpulos do assassínio, assim se mostrava igualmente impenetrável no que se referia ao amor.
