A Vida Amorosa de Moll Flanders - Cap. 2: A vida amorosa de Moll Flanders Pág. 212 / 359

A minha mestra colocou-se ao lado da senhora e, ao chegar aos degraus, fingiu cair contra ela com tanta violência que lhe pregou um grande susto e desataram ambas a gritar. No momento preciso em que ela chocou com a senhora, agarrei no relógio de determinada maneira e o estremeção de susto que ela deu soltou-o sem que se apercebesse. Afastei-me imediatamente e deixei a minha cúmplice e a senhora a refazerem-se gradualmente do choque. Pouco de- pois a roubada deu por falta do relógio e aquela declarou:

- Foram, com certeza, os patifes que me empurraram! Que pena não ter dado logo por falta dele! Talvez os tivéssemos apanhado.

Disfarçou tudo tão bem que ninguém suspeitou dela e eu cheguei a casa uma hora à sua frente. Esta foi a minha primeira aventura de sociedade. O relógio era, de facto, muito bonito e tinha muitas pedras; a minha governanta deu-nos vinte libras por ele, metade para cada uma. Estava, pois, uma gatuna completa, endurecida acima de todos os rebates de consciência ou de pudor e de uma maneira que nunca imaginara possível em mim.

O Demónio, que começara, com a ajuda da inevitável pobreza, por me lançar para essa perversão, elevou-me a alturas superiores à média, mesmo quando as minhas necessidades não eram muito grandes nem tão assustadora a perspectiva da pobreza; tinha agora uma certa assiduidade de trabalho e, como era perita no manejo da agulha, tudo indicava que, com o aumentar dos conhecimentos, poderia ganhar o meu pão honestamente.

Devo dizer que, se essa esperança de trabalho se houvesse apresentado ao princípio, quando comecei a pressentir a aproximação da miséria, e se então verificasse que poderia ganhar o meu pão graças ao trabalho honesto das minhas mãos, jamais me teria deixado arrastar para tráfico tão vil ou associado a quadrilha tão perigosa como aquela; mas a prática endurecera- -me e tornei-me audaciosíssima, sobretudo por nunca ter sido desmascarada.





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