A Cidade e as Serras - Cap. 9: CAPÍTULO IX Pág. 159 / 238

.. Mas quem podia saber? Só Deus. Enfim fizemos o que a prudência mandava... Depois, no Dia de juízo, cada um destes fidalgos apresentará os ossos que lhe pertencerem.

Lançava estas coisas macabras e tremendas, penetrado de respeito, quase com majestade, espetando, ora em mim, ora no meu Príncipe, os olhinhos agudos e reluzentes como vidrilhos.

Eu aprovei o pitoresco homem: - Perfeitamente! Andou perfeitamente, amigo Silvério. São tão vagos, tão anónimos, todos esses avós! Só faz pena, grande pena, que se tresmalhassem os restos do avô «Galeão».

- Não estava cá! - acudiu Jacinto. - Vim a Tormes expressamente por causa do avô «Galeão», e por fim o seu jazigo nunca foi aqui, na capelinha da Carriça... Felizmente!

O Silvério sacudia gravemente a calva trigueira: - Nunca tivemos o excelentíssimo senhor «Galeão». Há cem anos, Sr. Fernandes, há cem anos que se não depositava na capela velha corpo de cavalheiro cá da casa.

- Onde estará então?...

O meu Príncipe encolheu os ombros. Por esse reino... Na igrejinha, no cemitério de alguma das freguesias numerosas. onde ele possuía terras. Casa tão espalhada!

- Bem! - concluí. - Então, como se trata de ossadas vagas, sem nome, sem data, convém uma cerimoniazinha muito simples, muito sóbria.

- Quietinha, quietinha! - murmurou o Silvério, dando um forte sorvo assobiado ao café.

E foi quietinha, de uma rústica e doce singeleza, a cerimónia daqueles altos senhores. Cedo, por uma manhã, levemente enevoada, os oito caixões pequeninos, cobertos de um veludo vermelho mais de festa que de funeral, com molhos de rosas espalhados, contendo cada um o seu montezinho de ossos incertos, saíram aos ombros dos coveiros de Tormes e dos rapazes da quinta. da Igreja de S. José, cujo sino leve tangia, na enevoada doçura da manhã, quanto fina e levemente! - como pia um passarinho triste.





Os capítulos deste livro