Noites Brancas - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 23 / 67

Agora, mal repara no caminho que segue, embora os mínimos pormenores desse mesmo caminho lhe mobilizassem habitualmente a atenção. Agora, a «deusa Fantasia» (já leu Jukovsk, minha querida Nastenka?) teceu com mão caprichosa a sua trama de ouro e traçou diante dos seus olhos os arabescos de uma vida maravilhosa, estranha, e — quem sabe? — talvez, com a sua mão caprichosa, o tenha transportado ao sétimo céu de cristal, através deste excelente passeio de granito por onde se encaminha para sua casa. Tente detê-lo, agora, pergunte-lhe bruscamente onde está neste momento, os ardis por que passou; estou certo de que não se recordará de nada, nem donde esteve, nem onde está nesse momento, e, enrubescendo de despeito, inventará qualquer mentira para salvar as conveniências.

«Eis a razão por que estremeceu de tal modo, quase gritando e olhando assustado em torno de si só porque uma anciã muito respeitável o interpelou delicadamente no meio do passeio, perguntando-lhe o caminho para sua casa, pois perdera-se. Com os sobrolhos franzidos pelo mau humor, continuou a caminhar, mal notando que mais de um transeunte sorriu ao observá-lo e se voltou para o seguir com o olhar e que uma rapariguinha, após lhe ter receosamente cedido passagem, explodiu em sonoras gargalhadas fitando com os olhos arregalados o seu largo sorriso contemplativo e os gestos dos seus braços. Foi ainda, porém, a Fantasia quem arrebatou no seu voo jovial a anciã, os transeuntes curiosos, a rapariguinha zombeteira e os homens que jantam ali, nas suas barcas que obstruem a Fontanka (suponhamos que o nosso herói passava justamente por ai nesse momento); a todos envolveu maliciosamente no seu véu, tal como se fossem moscas apanhadas numa teia de aranha, e, com esta nova aquisição, o excêntrico entrou finalmente no seu quarto, na sua toca dilecta, sentou-se à mesa, jantou lentamente e apenas voltou à realidade quando Matriona, a criada, meditativa e eternamente enferma, após ter levantado a mesa, lhe veio trazer o seu cachimbo; voltou à realidade e, com surpresa, verificou que acabara completamente de jantar sem ter a mínima noção do que comera e como comera.





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