Noites Brancas - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 24 / 67

«O quarto está imerso na obscuridade; a sua alma está vazia e triste; todo um reino de quimeras se desmoronou em seu redor, se desmoronou sem deixar rasto, sem ruído nem tumulto, passando como um sonho, e ele nem sequer se recordou de ter acalentado essas quimeras. Porém, uma espécie de obscura sensação, que magoou levemente o seu peito, uma espécie de novo desejo seduz, estimula e irrita a sua imaginação e suscita furtivamente um exército de novos fantasmas. No exíguo quarto reina o silêncio; a solidão e a ociosidade acariciam-lhe a imaginação e ela lentamente vai-se inflamando e, lentamente, atinge o estado de ebulição, como a água na cafeteira da velha Matriona, que a imperturbável, ao lado, na cozinha, se ocupa a preparar o seu café caseiro. Ei-la que se evola em girandolas e o livro em que distraidamente pegara cai das mãos do meu sonhador, que nem sequer leu até à terceira página. Excitada, a sua imaginação de novo ganha asas, e, bruscamente, mais uma vez, uma nova vida o vem fascinar. Novo sonho: nova felicidade! Volta a beber o veneno delicioso e requintado do sonho! Que importa a vida real? Nós vivemos uma vida tão ociosa, tão parada, tão desprezível, estamos tão descontentes da nossa sorte, tão enfastiados da nossa existência! E, na verdade, verifique como, à primeira vista, tudo se apresenta, na nossa vida, tão amargo como hostil... 'Pobres criaturas!', pensa o meu sonhador. Nada de surpreendente existe no seu pensamento! Repare nesses mágicos fantasmas que diante dele se formam: fascinantes, caprichosos, amplamente e sem limites, num fantástico quadro animado onde se encontra no primeiro plano, naturalmente, como figura principal, a preciosa pessoa do nosso herói. Veja: que aventuras variadas, que infinito turbilhão de sonhos exaltados! Perguntará talvez: com que sonha ele? Para quê fazer semelhante pergunta? Como é evidente, sonha com tudo... Vê-se no papel de um poeta, a princípio ignorado e depois consagrado; na sua amizade com Hoffmann, na matança da noite de São Bartolomeu, em Diane Vernon', num papel heróico quando da tomada de Cazan por Ivan, o Terrível, Clara Movbray, Effie Deans, em Huss comparecendo perante os prelados reunidos em concílio, na revolta dos mortos em RolDerto, o Dialogo (lembra-se da música? Transporta-nos ao cemitério!), em Minna e em Brenda, na batalha do Beresina, na leitura de um poema no palácio da condessa V...a D...a, em Danton, em Cleópatra e i suoi amanti, na casinha de Kolomnas, num pequeno refúgio onde, a seu lado, um ente amado o escutasse, numa noite de Inverno, com a sua boquinha e com os seus grandes olhos verdes abertos — como a Nastenka me escuta agora!...





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