A Linha de Sombra - Cap. 7: V Pág. 121 / 155

Ransome endereçou-me um dos seus olhares inteligentes e amáveis, e a seguir afastou-se com a sua bandeja. Veio-me ao pensamento que tinha estado a falar um tanto ou quanto ao jeito de Burns. Isso aborrecia-me. Porém, era frequente em alturas mais sombrias que eu me deixasse arrastar para uma atitude perante as nossas aflições que parecia a de quem combate um inimigo de carne e osso.

Sim. O demónio da febre ainda não deitara mão nem a Ransome nem a mim. Mas era bem capaz de o fazer de um instante para o outro. Era uma ideia que se tornava preciso combater até ao esmagamento definitivo, guardando-a, a qualquer preço, fora do contacto corpo a corpo. Era intolerável imaginar a possibilidade de Ransome, autêntica governanta do barco, vir também a desfalecer. E que ia ser do navio sob o meu comando se eu ficasse doente, com Burns fraco demais para se aguentar fora do beliche, e o segundo piloto reduzido ao seu estado de idiotia constante? Era algo de inimaginável, ou talvez antes, demasiado fácil de imaginar.

Eu encontrava-me a sós no tombadilho. Como o navio não obedecia ao governo do leme, mandara o homem embora, para a sombra, deitar-se ou sentar-se onde quisesse. As forças da tripulação estavam de tal modo nas últimas que era necessário evitar todas as exigências supérfluas. O homem a quem me dirigira, tratava-se de Gambril, o austero, com a sua barba grisalha. Foi-se dali rapidamente, mas estava tão enfraquecido por sucessivos ataques febris que, ao descer a escada do tombadilho, se via obrigado a fazê-lo de costas, agarrando-se com ambas as mãos ao corrimão de cobre. Uma pessoa sentia o coração em pedaços ao ver uma coisa assim. E no entanto, ele não estava nem muito melhor nem muito pior do que a maioria da meia dúzia de infelizes vítimas que eu ainda conseguia fazer juntarem-se no convés.





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