A Linha de Sombra - Cap. 2: I Pág. 23 / 155

O despenseiro parecia ter reiterado a sua opinião, fosse ela qual fosse, porque a voz de Hamilton voltou a ouvir-se, ainda mais orgulhosa se possível, e cheia ao mesmo tempo de uma afectação exagerada:

«Nem se fala nisso, meu caro! Um homem não se põe a competir com um intruso tão insignificante como aquele tipo. Temos muito tempo.»

Depois, houve um arrastar de cadeiras, passos na sala ao lado e queixumes insistentes por parte do despenseiro, que perseguia Hamilton até à rua, do lado da entrada principal:

«É uma pessoa muito inconveniente», notou o capitão Giles... - reparo absolutamente supérfluo, a meu ver. «Muito inconveniente. Sim, porque o senhor nunca o ofendeu em coisa nenhuma, não é verdade?»

«Nunca na minha vida falei sequer com ele», respondi com mau humor. «Não posso imaginar o que queria ele dizer com "competir". Tentou apanhar o lugar que eu deixei vago... e não o conseguiu, mas isso não é exactamente competição.»

O capitão Giles abanou a grande cabeça bondosa, meditativo. «Não conseguiu apanhar o lugar», repetiu em voz pausada. «Não, nem tinha qualquer hipótese com Kent. Kent teve um enorme desgosto por você se ter vindo embora. Além disso, considera-o, a si, um excelente marinheiro.»

Larguei o jornal que conservava, entretanto, nas mãos.

Pus-me direito na cadeira e bati na mesa com a mão aberta. Queria saber porque é que ele estava sempre a insistir naquilo, naquele caso que só a mim dizia respeito. Chegava a ser realmente exasperante.

O capitão Giles reduziu-se ao silêncio com o seu olhar cheio de uma serenidade de espírito perfeita. «Não há motivos para aborrecimento», murmurou, cheio de bom senso, num desejo evidente de acalmar a irritação infantil que me suscitara. E na realidade era um homem de aspecto tão inofensivo que tentei explicar-me o melhor possível.





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