A Dama Pé-de-Cabra - Cap. 3: Trova Terceira Pág. 18 / 27

Isso dizia uma voz que, lá em cima do alto da penha, começou de soar.

Olhou: linda mulher estava aí assentada e, com gesto amoroso e sorriso de anjo, para ele se inclinava.

- Minha mãe! Minha mãe! ¬ bradou Inigo Guerra, alevantando-se; e lá consigo dizia: "Vade retro! Santo Hermenegildo me valha!"

E como molhara a cabeça, sentiu que os cabelos se lhe iam alçando de arrepiados.

- Filho, na boca palavras doces; no coração palavras danadas. Mas que importa, se és meu filho? Dize o que queres de mim, que será tudo feito a teu talante e vontade.

O moço cavaleiro nem acertava a falar com medo. Já a este tempo Tárik gemia uivando debaixo dos pés do ónagro.

- Cativo está de mouros há anos meu pai, D. Diogo Lopes ¬ disse por fim titubeando ¬ Quisera me ensinásseis, senhora, o modo como hei-de salvá-lo.

- Seu mal, tão bem como tu, eu sei. Se pudesse, Ter-lhe-ia acorrido, sem que viesses requerê-lo; mas o velho tirano do Céu quer que ele pene tantos anos quantos viveu com a... com a que sandeus chamam Dama Pé de Cabra.

- Não blasfemeis contra Deus, minha mãe, que é enorme culpa ¬ interrompeu o mancebo, cada vez mais horrorizado.

- Culpa?! Não há para mim inocência nem culpa ¬ replicou a dama, rindo às gargalhadas.

Era um rir de dorminte, triste e medonho. Se o Diabo ri, como aquele deve ser o rir do Diabo.

Mas o cavaleiro não pôde dizer mais palavra.

- Inigo! - prosseguiu ela - falta um ano para cumprir-se o cativeiro do nobre senhor de Biscaia, um ano passa depressa: mais depressa eu to farei passar. Vês tu aquele valente ónagro? Quando uma noite, acordando, o achareis ao pé de ti, manso como cordeiro, cavalga nele sem susto, que te levará a Toledo, onde livrarás teu pai. ¬ E bradando, acrescentou: - Estás por isto Pardalo?

O ónagro fitou as orelhas e, em sinal de aprovação, começou a azurrar; começou por onde, às vezes, academias acabam.





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