Capítulo 3: Trova Terceira
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Depois, a dama pôs-se a cantar uma cantiga de bruxas, acompanhando-se de um saltério, de que tirava mui estranhas toadas: Pelo cabo da vassoura, Pela corda da polé, Pela víbora que vê, Pela Sura e pela Toura, Pela vara do condão, Pelo pano da peneira, Pela velha feiticeira, Do finado pela mão; Pelo bode, rei da festa Pelo sapo inteiriçado, Pelo infante dessangrado Que a bruxa chupou à sesta; Pelo crânio alvo e lustroso Em que sangue se libou, E do irmão que irmão matou, Pelo arranco doloroso; Pelo nome de mistério Que em palavras não se diz, Vinde já precitos vis; Vinde ouvir o meu saltério! E dançai-me, aqui na terra, Uma dança doidejante, Que entonteça num instante O meu filho Inigo Guerra. Que ele durma um ano inteiro, Como em sono de uma hora, Junto à fonte que ali chora, Sobre a relva deste outeiro. Enquanto a dama cantava essas cantigas, o mancebo sentia um quebrantamento nos membros que crescia cada vez mais e que o obrigou a assentar-se. E logo, logo, ouviu-se um ruído abafado, como de trovões e de ventanias engolfando-se em covoadas; depois o céu começou de toldar-se, e cada vez era mais cris, até que, enfim, apenas uma luz de crepúsculo o alumiava. E a mansa almácega refervia, e os penedos rachavam, e as árvores torciam-se, e os ares sibilavam. E das bolhas da água da fonte, e das fendas dos rochedos, e dentre as ramas dos robles, e da vastidão do ar via-se descer, subir, romper, saltar.
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