.. o quê? Coisa muito espantável.
Eram mil e mil braços sem corpos, negros como carvão, tendo nos cotos um asa, e na mão cada um uma espécie de facho.
Como a palha que o tufão levanta na eira, aquela multidão de candeias cruzava-se, revolvia-se, unia-se, separava-se, remoinhava, mas sempre com certa cadência, como que dançando a compasso.
A D. Inigo andava a cabeça à roda: as luzes pareciam-lhe azuis, verdes e vermelhas; mas corria-lhe pelos membros uma languidez tão suave, que não teve ânimo para fazer o sinal da cruz e afugentar aquele bando de satanases.
E sentia-se esvaecer e, pouco a pouco, adormecia e, dali a pouco, roncava.
Entretanto, no castelo tinham dado pela sua falta. Esperaram-no até a noite; esperaram-no uma semana, um mês, um ano, e não o viam voltar. O pobre Brearte correu por muito tempo a serra; mas o sítio onde o cavaleiro jazia, isso é que não havia lá chegar.
III
Inigo acordou alta noite: tinha dormido algumas horas; ao menos, ele assim o cria. Olhou para o céu, viu estrelas; apalpou ao redor, achou terra; escutou, ouviu ramalhar as árvores.
Pouco a pouco é que se foi recordando do que passara com sua mal-aventurada mãe; porque, a princípio, não se lembrava de nada.
Pareceu-lhe então ouvir respirar ali perto; afirmou a vista: era o ónagro Pardalo.
«Já agora meio enfeitiçado estou eu - pensou ele -; corramos o resto da aventura, a ver se posso salvar meu pai. »
E pondo-se em pé, encaminhou-se para o valente animal, que já estava enfreado e selado: cujos eram os arreios, isso sabia-o o diabo.
Hesitou, todavia, um momento: tinha seus escrúpulos ¬ a boas horas vinham eles ¬ de cavalgar naquele corredor infernal.
Então ouviu nos ares uma voz vibrada, que cantava muito entoado.