Era a voz da terrível Dama Pé de Cabra:
Cavalga, meu cavaleiro,
No alentado corredor;
Vai salvar o bom senhor;
Vai quebrar seu cativeiro.
Pardalo, não comerás
Nem cevada nem aveia,
Não terás jantar nem ceia,
Rijo e leve voltarás.
Nem açoite, nem espora
Requer ele, oh cavaleiro!
Corre, corre bem ligeiro,
Noite e dia, a toda hora.
Freio ou sela não lhe tires,
Não lhe fales, não o ferres,
Na carreira não te aterres.
Para trás nunca te vires.
Upa! Firme! ¬ Avante, avante! Breve, breve, a bom correr! Um minuto não perder, Bem que o galo ainda não cante.
- Vá ¬ gritou Inigo Guerra, com uma espécie de frenesi que nele produzira aquele cantar estranho; e de um pulo cavalgou no quedo ónagro.
Mas apenas se firmou na sela, pst! ¬ ei-lo que parte!
IV
Posto que em paz com os cristãos, os mouros de Toledo têm pelas torres, cubelos e adarves seus atalaias e vigias, e nos montes que dizem para a fronteiras de Leão seus fachos e almenaras.
Mas se o rei leonês soubesse como descuidosa jaz Toledo; como, ao anoitecer, se deixam dormir vigias, se deixam de acender fachos, quebraria seus juramentos, e faria contra aquelas partes um repentino fossado.
Salvo ter de ir depois ao seu confessor dizer confiteor Deo, e peccavi; porque o quebrar juramento, ainda que seja a cães descritos, dizem ser feio pecado.
Era a hora do lusco-fusco: ao sol-posto os de Toledo, mirando para a banda do norte, viram, lá muito ao longe, vir correndo uma nuvem negra, ondeando e fazendo voltas no céu, como a estrada as fazia na terra por entre os montes: dir-se-ia que vinha embriagada.
Era primeiro um pontinho; depois crescera e crescera: quando anoiteceu, estava já perto e cobria um grande espaço.