Bem sabia D. Diogo que a morte é a maior delas todas; que não era o senhor de Biscaia ateu, filósofo, nem parvo.
Mas lá divisa um vulto alvacento que salvou por cima do palanque, e sente ao mesmo tempo no meio do terreiro ¬ plash!
E ouviu uma voz que dizia:
- Nobre senhor D. Diogo, onde é que vós vos achais!
- Que vejo e ouço?! ¬ exclamou o velho. ¬ Um trajo que não alveja não é trajo de ismaelita; uma voz que não fala algaravia não é de infiel; um salto de tal altura não é de cavaleiro do mundo. Por vossa fé dizei-me, sois anjo ou sois Sant'Iago?
- Meu pai, meu pai! ¬ acudiu o cavaleiro ¬ já não conheceis a fala de Inigo? Sou eu, que venho salvar-vos.
E D. Inigo descavalgou e, travando das grossas reixas, tentava aluí-las: a água dava-lhe já pelos artelhos, e ele não fazia nada.
Cheio de aflição, o mancebo quis invocar o nome de Jesus; mas lembrou-se de como ali viera, e o bento nome expirou-lhe nos lábios.
Todavia, Pardalo pareceu adivinhar o seu íntimo pensamento; porque soltou um gemido agudo e pronto, como se lhe ouvessem tocado com um ferro em brasa.
E, empurrando com a cabeça D. Inigo, voltou a anca para a grade.
Pam! ¬ foi o som que se ouviu. Com um só coice, a reixa estava no chão, e as ombreiras de pedra tinham voado em mil rachas. Quer mo creiam, quer não, di-lo a história: eu com isto não perco nem ganho.
D. Diogo, esse ficou crendo: porque uma lasca de pedra bateu-lhe nos dois últimos dentes que tinha e meteu-lhos pela goela abaixo. Por isso, ele, com a dor não podia dizer palavra.
Seu filho fê-lo cavalgar ante si, e, cavalgando após ele, bradou:
- Meu pai, estais salvo!
E Pardalo de um pulo galgou de novo o palanque. Pois tinha bons quinze palmos!
Pela manhã não havia sinal de chuva; o ar estava limpo e sereno, e, quando os mouros foram ver o que sucedera com D.