e à luz de candelabros de mil velas de todas as cores. E carruagens desfilavam reluzentes, com uma coroa à portinhola, o cocheiro teso, de libré, sopeando parelhas de cavalos grandes. E intermináveis mesas estendiam-se, serpenteando a perder de vista, acumuladas de iguarias, numa encantadora confusão de flores, luzes, baixelas e cristais, cercadas de um e de outro lado por luxuoso renque de convivas, de taça em punho, brindando o anfitrião.
E, porque nada disso o vendeiro conhecia de perto, mas apenas pelo ruído namorador e fátuo, ficava deslumbrado com o seu próprio sonho. Tudo aquilo, que agora lhe deparava o delírio, até ai só lhe passara pelos olhos ou lhe chegara aos ouvidos como o eco e reflexo de um mundo inatingível e longínquo; um mundo habitado por seres superiores; um paraíso de gozos excelentes e delicados, que os seus grosseiros sentidos repeliam; um conjunto harmonioso e discreto de sons e cores mal definidas e vaporosas; um quadro de manchas pálidas, sussurrantes, sem firmezas de tintas, nem contornos, em que se não determinava o que era pétala de rosa ou asa de borboleta, murmúrio de brisa ou ciciar de beijos.
Não obstante, ao lado dele a crioula roncava, de papo para o ar, gorda, estrompada de serviço, tresandando a uma mistura de suor com cebola crua e gordura podre.
Mas João Romão nem dava por ela; só o que ele via e sentia era todo aquele voluptuoso mundo inacessível vir descendo para a terra, chegando-se para o seu alcance, lentamente, acentuando-se. E as dúbias sombras tomavam forma, e as vozes duvidosas e confusas transformavam-se em falas distintas, e as linhas desenhavam-se nítidas, e tudo se ia esclarecendo e tudo se aclarava, num reviver de natureza ao raiar do sol. Os tênues murmúrios suspirosos desdobravam-se em orquestra de baile, onde se distinguiam instrumentos, e os surdos rumores indefinidos eram já animadas conversas, em que damas e cavalheiros discutiam política, artes, literatura e ciência. E uma vida inteira, completa, real, descortinou-se amplamente defronte dos seus olhos