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Capítulo 2: Capítulo 2

Página 21
sem lábios: viam-se-lhe ainda todos os dentes, mas, tão gastos, que pareciam limados até ao meio. Andava sempre de preto, com um guarda-chuva debaixo do braço e um chapéu de Braga enterrado nas orelhas. Fora em seu tempo empregado do comércio, depois corretor de escravos; contava mesmo que estivera mais de uma vez na África negociando negros por sua conta. Atirou-se muito às especulações; durante a guerra do Paraguai ainda ganhara forte, chegando a ser bem rico; mas a roda desandou e, de malogro em malogro, foi-lhe escapando tudo por entre as suas garras de ave de rapina. E agora, coitado, já velho, comido de desilusões, cheio de hemorróidas, via-se totalmente sem recursos e vegetava à sombra do Mirada, com quem por muitos anos trabalhou em rapaz, sob as ordens do mesmo patrão, e de quem se conservara amigo, a principio por acaso e mais tarde por necessidade.

Devorava-o, noite e dia, uma implacável amargura, uma surda tristeza de vencido, um desespero impotente, contra tudo e contra todos, por não lhe ter sido possível empolgar o mundo com as suas mãos hoje inúteis e trêmulas. E, como o seu atual estado de miséria não lhe permitia abrir contra ninguém o bico, desabafava vituperando as ideias da época.

Assim, eram às vezes muito quentes as sobremesas do Miranda, quando, entre outros assuntos palpitantes, vinha à discussão o movimento abolicionista que principiava a formar-se em torno da lei Rio Branco. Então o Botelho ficava possesso e vomitava frases terríveis, para a direita e para a esquerda, como quem dispara tiros sem fazer alvo, e vociferava imprecações, aproveitando aquela válvula para desafogar o velho ódio acumulado dentro dele.

— Bandidos! - Berrava apoplético. - Cáfila de salteadores!

E o seu rancor irradiava-lhe dos olhos em setas envenenadas, procurando cravar-se em todas as brancuras e em todas as claridades. A virtude, a beleza, o talento, a mocidade, a força, a saúde, e principalmente a fortuna, eis o que ele não perdoava a ninguém, amaldiçoando todo aquele que conseguia o que ele

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Capa do livro O Cortiço
Páginas: 239
Página atual: 21

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Capítulo 1 1
Capítulo 2 16
Capítulo 3 27
Capítulo 4 39
Capítulo 5 47
Capítulo 6 53
Capítulo 7 61
Capítulo 8 76
Capítulo 9 89
Capítulo 11 126
Capítulo 12 138
Capítulo 13 147
Capítulo 14 156
Capítulo 15 165
Capítulo 16 175
Capítulo 17 186
Capítulo 18 190
Capítulo 19 196
Capítulo 20 208
Capítulo 21 216
Capítulo 22 227
Capítulo 23 234