Devorava-o, noite e dia, uma implacável amargura, uma surda tristeza de vencido, um desespero impotente, contra tudo e contra todos, por não lhe ter sido possível empolgar o mundo com as suas mãos hoje inúteis e trêmulas. E, como o seu atual estado de miséria não lhe permitia abrir contra ninguém o bico, desabafava vituperando as ideias da época.
Assim, eram às vezes muito quentes as sobremesas do Miranda, quando, entre outros assuntos palpitantes, vinha à discussão o movimento abolicionista que principiava a formar-se em torno da lei Rio Branco. Então o Botelho ficava possesso e vomitava frases terríveis, para a direita e para a esquerda, como quem dispara tiros sem fazer alvo, e vociferava imprecações, aproveitando aquela válvula para desafogar o velho ódio acumulado dentro dele.
— Bandidos! - Berrava apoplético. - Cáfila de salteadores!
E o seu rancor irradiava-lhe dos olhos em setas envenenadas, procurando cravar-se em todas as brancuras e em todas as claridades. A virtude, a beleza, o talento, a mocidade, a força, a saúde, e principalmente a fortuna, eis o que ele não perdoava a ninguém, amaldiçoando todo aquele que conseguia o que ele