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Capítulo 2: Capítulo 2

Página 13

Ela saltou do campo à barroca por cima do tapume de espinheiros e silvas, foi direita à filha, deitou-se sobre ela a beijá-la, a sacudi-la, a chamá-la com gritos de louca, e ali perdeu os sentidos entre os braços brutais do marido que se esforçavam por desprendê-la da morta.

Vinte e quatro horas depois, o cadáver de Josefa de Santo Aleixo, a loura mocetona, desceu à cova, porque o fedor da podridão obrigara a alterar o estilo das quarenta e oito horas sobre terra. Maria da Laje, a mãe, diziam que dava em louca, porque não comia, nem bebia, nem chorava; e, durante a noite, fugira para o lado da serra. O pai da defunta, aborrecido dos interrogatórios impertinentes que lhe faziam os vizinhos e parentes acerca das causas que levaram Josefa a matar-se, fechou-se na adega; e, nas securas da sua ardente aflição, é natural que bebesse.

O leitor urbano mal imagina como são estes pais e maridos rurais quando lhes morrem as filhas ou as mulheres. Os mais lúgubres, se estão seis horas no forçado jejum a que os obriga a funeral lareira apagada, começam a cair num sentimentalismo de burros com fome. Nunca vi uma lágrima luzir nestas caras. Às vezes, morrem mães que deixam um grupo de crianças ali a chorar num canto da cozinha. Os viúvos olham para os pequeninos de través, e ralham-lhes brutalmente. A estupidez é mais valente que a morte. Se falta a luz que adelgaça e rompe a treva do homem bárbaro, à mistura com a velhacaria que a civilização lhe tem dado, o cérebro e o coração são umas empadas de massa inerte, umas substâncias granulosas ou fibrosas contidas em sacos membranosos. Não há nada mais bestial que o homem sem a alma que se faz na educação. A mulher já não é assim. A maternidade é uma ilustração que lhe dá a intuitiva inteligência do amor e das grandes tristezas. Essas, em toda a parte, a chorar, são mulheres; e, ainda na derradeira curva que atasca em lama a espiral da degradação, é-lhes concedido remirem-se pelas lágrimas. Estas reflexões não são todas minhas: quem fazia algumas era um escrivão do juiz de paz, que fora desanojar o João da Laje; e, posto a um canto do sobrado, conversava com um minorista da Póvoa, que assistira aos responsos.

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