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Capítulo 2: Capítulo 2

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O homem, como se vê só, no cabeço de um fraguedo, dá-se grandeza extraordinária, mede-se pelo comprimento de horizonte a horizonte. Se o amor lhe rutilou aí como um relâmpago que fulgura numa vasta cordilheira de montes, é um amor olímpico, titânico, imenso, que, disparado sobre a modéstia e singeleza de uma rapariga montesinha, faz lembrar Camões:

...Qual será o amor bastante

De ninfa que sustente o dum gigante?

Andava ele cursando retórica em Coimbra para ir vestir o hábito de frade fidalgo em S. Vicente de Fora. Tinha vinte e dois anos, e aspecto pouco de bernardo. Era magro e pálido, da palidez dos que amam, segundo o preceito ovidiano: Paleat omnis amans. Tinha êxtases nos píncaros das serras, como se ouvisse as harmonias das esferas. Sentia o grande vazio que a retórica lhe não enchia. Queria o amor, não queria tropos; preferia uma mulher feia, se as há, à mais nítida metáfora de Cícero ou Vieira.

Nestas ideias o encontrou Josefa da Laje, nos montados da sua freguesia. Coraram ambos. Este rubor era o primeiro lampejo do incêndio. Depois, à volta de poucos dias, o fogo levou de assalto aquele combustível edifício de inocência, cheio de fluidos inflamáveis. A serra tinha penhascais, bosques, cavernas, insinuando o amor selvagem. Rodeava-os uma natureza contemporânea do homem vestido da pele do seu confrade em civilização, o grande urso e o grande veado. A forma selvática e antiga do proscénio deu- lhes jeito de antigos actores da vida animal. Ninguém que os visse, ninguém que lhes lesse os grandes livros do padre Sanches acerca do matrimónio. Oh! A solidão, entre dois amantes, faz os poetas; mas talvez primitivos de mais, algum tanto gaélicos, normandos, alheios de tudo o que é epistolografia amorosa – peles-vermelhas no rigor antropológico, à vista do modo como a gente em honesta prosa costuma casar-se.

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Capa do livro Maria Moisés
Páginas: 86
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