Gostava, sobretudo, de ouvir falar da minha beleza, o que acontecia algumas vezes e me dava grande satisfação.
Até aqui a minha história tem sido muito fácil e agradável de contar, pois em todo este capítulo da minha vida tive não só a reputação de viver no seio de uma excelente família - uma família conhecida e respeitada em toda a parte pela sua virtude e sobriedade e por tudo quanto é valioso-, como também a de ser uma jovem muito séria, modesta e virtuosa, o que de facto fui. Não tive, tão-pouco, ensejo de pensar de outro modo nem de saber o que fosse uma tentação pecaminosa.
Mas aquilo de que tanto me orgulhava foi a minha ruína, ou, melhor, a minha vaidade foi a causa dela. A senhora da casa que me acolhera tinha dois filhos, jovens cavalheiros de talentos muito prometedores e comportamento extraordinário. Por má sorte minha, entendia-me bem com ambos, mas eles procederam comigo de maneira muito diferente.
O mais velho era um cavalheiro alegre, que conhecia tão bem a cidade como o campo e que, apesar de leviano ao ponto de cometer uma má acção, possuía discernimento bastante para pagar caro os seus prazeres. Começou por estender-me a malfadada armadilha em que tantas mulheres caem, isto é, por aproveitar todas as oportunidades para gabar a minha beleza, como dizia, as minhas boas maneiras, o meu bom feitio e outras coisas semelhantes. Fazia-o, de resto, com tanta subtileza como se soubesse tão bem apanhar uma mulher na sua rede como sabia apanhar uma perdiz, quando as ia caçar por esse sistema, pois procurava falar a esse respeito com as irmãs nos momentos em que, embora eu não estivesse presente, me encontrava suficientemente perto para o ouvir. Se as irmãs o advertiam: «Caluda, mano, olha que ela ouve-te; está na sala ao lado», mudava de assunto e começava a falar mais baixo, como se de facto estivesse alheio à minha proximidade.
