Tive ainda outra aventura que confirma o que atrás digo e que pode ser uma advertência à posteridade, no caso dos carteiristas. A minha boa e velha governanta era, apesar de se haver retirado, o que se pode chamar uma carteirista nata e, como mais tarde soube, percorrera toda a escala dessa arte, sendo apanhada uma única vez, julgada culpada e condenada a deportação. Mas, como era uma mulher com o dom da palavra e, para mais, tinha dinheiro na algibeira, arranjara maneira de, quando o barco parou na Irlanda para receber provisões, desembarcar e viver ali alguns anos, na prática do seu velho ofício. Depois relacionou-se com más companhias de outro género, tornou-se parteira e alcoviteira e entregou-se a mil e uma patifarias que me relatou resumidamente e em segredo, à medida que a nossa intimidade aumentava. Era a esta perversa criatura que eu devia toda a perícia e arte que possuía, perícia e arte que poucas ultrapassaram ou praticaram durante tanto tempo sem qualquer desaire.
Depois dessas aventuras na Irlanda, onde se tornara já por de mais conhecida, deixara Dublim e regressara a Inglaterra, onde, expirado o período do seu degredo, abandonou o ofício primitivo, receosa de cair nova- mente em más mãos, pois, a acontecer assim, tinha a certeza de que estaria perdida. Dedicou-se então à profissão que aprendera na Irlanda e em breve, graças à sua admirável competência e, mais uma vez, ao dom da palavra, atingiu as culminâncias a que já aludi e começou a enriquecer, embora, como também já disse, as coisas acabassem por lhe correr mal.
Referi este pouco da sua história para melhor demonstrar a interferência desta mulher na vida criminosa que levei, em cujas minúcias me conduziu, a bem dizer, pela mão e cujas instruções segui tão bem que vim a ser a maior artista do meu tempo e de tal modo soube tirar-me de apuros que, enquanto a maioria dos meus colegas ia parar a Newgate, regra geral, com seis meses apenas de «ofício», eu tinha já mais de cinco anos e em Newgate nem sequer me conheciam.
