Compete-me guardar um prisioneiro quando mo confiam, mas só a lei e um magistrado podem soltar, depois, esse prisioneiro. Está enganado portanto, senhor; tenho de conduzir esta senhora à presença de um magistrado, quer o senhor ache bem, quer não.
O fanqueiro mostrou-se, ao princípio, muito ríspido com o guarda, mas este, que não era funcionário contratado, mas sim um homem bom e abastado (creio que negociava em cereais) e pessoa de bom senso também, não me soltou sem me levar à presença de um juiz de paz, no que, aliás, eu própria insisti. Quando viu que não conseguia nada, o lojista declarou:
- Pois leve-a aonde quiser; não tenho nada a dizer-lhe.
- Espero que nos acompanhe - volveu o outro, visto ter sido o senhor que ma confiou.
- Não pense nisso; já lhe afirmei que não tenho nada a dizer-lhe.
- Mas venha, senhor, peço-lhe para seu próprio bem; o juiz nada poderá fazer sem a sua presença.
- Trate da sua vida, amigo; repito-lhe nada ter a dizer a essa senhora e ordeno-lhe em nome do rei que a mande em paz.
- Verifico que não sabe o que é ser funcionário da justiça, senhor, e aconselho-o a não me obrigar a ser rude consigo - advertiu-o o guarda. - Já o está a ser, sem eu precisar de o obrigar - replicou o fanqueiro.
- Não é verdade! O senhor atentou contra a paz ao trazer da rua uma mulher honesta, que tratava da sua vida sem fazer mal a ninguém, reteve-a na sua loja e consentiu que os seus empregados a ofendessem e maltratassem, e ainda se atreve a dizer que eu estou a ser rude consigo! Penso que, pelo contrário, só dou provas de muita delicadeza por não lhe ordenar em nome do rei a acompanhar-me e não solicitar a todos os homens que passam à sua porta que me ajudem a levá-lo à força. Sabe perfeitamente que tenho autoridade para o fazer, mas ainda não o fiz e rogo-lhe, mais uma vez, que me acompanhe.