Depois, se pudesse tirar cem ou duzentas libras de mercadoria da loja, devia fazê-lo também; «mas», recomendou-me, «não me digas nada a esse respeito, nem o que tiras nem para onde o levas. Estou decidido a fugir desta casa e a partir, e, se nunca mais tiveres notícias minhas, fica sabendo que te desejo felicidades, minha querida, e que lamento muito o mal que te fiz.» Disse-me coisas muito simpáticas à despedida, pois, como já vos contei, era um cavalheiro, e foi isso tudo quanto lucrei com essa sua qualidade. Tratou-me sempre delicadamente e com boas maneiras, mas gastou-me tudo quanto tinha e deixou-me na contingência de roubar aos credores alguma coisa para poder viver.
Podeis estar certos, porém, de que procedi como me mandou. Depois de me despedir dele nunca mais o vi, pois arranjou maneira de fugir da casa do meirinho naquela mesma noite ou na seguinte e de entrar em França, deixando os credores entenderem-se com o resto como quisessem. Ignoro como as coisas se passaram; sei apenas que chegou a casa cerca das três horas da manhã, mandou levar para o Mint as mercadorias que lhe restavam e fechar a loja, reuniu todo o dinheiro que pôde e fugiu para França, como disse, de onde recebi uma ou duas cartas suas e mais nada. Não o vi quando foi a casa, pois, como cumprira, sem perda de tempo, as instruções que me dera e que atrás referi, nada tinha lá a fazer, para não correr o risco de ser detida pelos credores. Podiam fazê-lo, por ordem dos componentes da comissão de falência que pouco depois formaram.
Mint - Determinada zona à volta da Catedral de S. Paulo, em Londres, na qual, por determinação da Magna Carta, o rei não podia exercer qualquer autoridade governativa, policial ou judiciária.
Mas meu marido, depois de fugir audaciosamente de casa do meirinho, atirando-se, de maneira perigosa, quase do telhado do edifício para o telhado de outro, e saltando desse, que tinha dois andares, para a rua, façanha em que podia ter partido o pescoço, chegou a casa e levou as mercadorias antes de os credores poderem confiscar-lhas, isto é, antes que formassem a comissão de falência e mandassem representantes apoderar-se delas.
