É impossível exprimir o seu espanto. Não pareceu inclinada a acreditar nas minhas palavras nem a recordar os pormenores indispensáveis à sua confirmação, pois apercebeu-se imediatamente da confusão inevitável que daí resultaria; mas concordava tudo tão exactamente com o que ela própria me contara - e que, se não tivesse contado, talvez desmentisse - que não encontrou argumentos que rebatessem os meus e não teve outro remédio senão abraçar-me e beijar-me e chorar desesperadamente, durante muito tempo, sem dizer uma palavra. Por fim soluçou:
- Infeliz criança! Que desgraçado acaso te trouxe aqui! E nos braços do meu próprio filho! Que horror, minha querida, estamos todos desgraçados! Casada com o próprio irmão! Três filhos, dois dos quais vivos, todos da mesma carne e do mesmo sangue! O meu filho e a minha filha a viverem como marido e mulher! Eterna vergonha e desespero! Desgraçada família! Que será de nós? Que diremos? Que faremos?
E continuou assim durante muito tempo, sem que eu soubesse que responder-lhe, pois cada palavra sua me feria até à alma. Separámo-nos num grande atordoamento de pensamentos, embora minha mãe se sentisse mais surpreendida do que eu, pois para mim nada daquilo constituía já novidade. Ao despedir-se prometeu-me de novo que nada diria ao filho enquanto não voltássemos a falar.
Não tardámos, garanto-vos, a ter segunda conferência acerca do mesmo assunto, durante a qual, como se estivesse disposta a esquecer o que me dissera a seu respeito ou julgasse que eu esquecera alguns pormenores, tentou contar-me tudo de novo, com modificações e omissões. Mas refresquei-lhe a memória e lembrei-lhe muitas coisas que parecia ter esquecido, de tal maneira que lhe foi impossível desdizer-se e voltou às lamentações e queixas da crueldade das suas desventuras.
