- Quero perguntar-lhe uma coisa - disse então.
- Ah, sim? E o que é? - volveu ela. E havia já na sua voz um certo medo. Mas continuava perfeitamente senhora de si.
- Ora, diga-me - começou ele em tom insinuante, numa voz suave, subtil, penetrando-lhe os nervos, arrepiando-a. - Que pensa que seja?
Ela endireitou-se, de mãos nas ancas, e ficou a olhar para ele sem responder, como que petrificada. E ele voltou a sentir-se tomado de uma súbita sensação de poder.
- Pois bem - disse, havendo na sua voz uma tal suavidade que mais parecia um leve toque, um simples aflorar, quase como quando um gato estende a pata numa impercetível carícia, surgindo mais como um sentimento do que como um som. - Pois bem, queria pedir-lhe para casar comigo.
Mais do que ouvir, March sentiu dentro de si o eco daquela frase. Mas era em vão que tentava desviar o rosto. Uma profunda lassidão pareceu então invadi-la. Ficou de pé, silenciosa, a cabeça levemente inclinada para um lado. Ele parecia estar a curvar-se para ela, um sorriso invisível no rosto atento. E ela teve a sensação de que todo ele cintilava, rápidas faíscas dardejando do seu corpo imóvel.
Em tom rápido e abrupto, respondeu então: - Não me venha para cá com essas palermices.
O rapaz sobressaltou-se, um espasmo nos nervos tensos, contraídos. Soube que falhara o golpe. Quedou-se então uns instantes calado tentando ordenar as ideias: Depois, pondo na sua voz toda aquela estranha suavidade tão peculiar, disse como que num afago, numa quase impercetível carícia:
- Mas não é palermice nenhuma. Não, não é palermice. Estou a falar a sério, muito a sério. Porque é que não acredita em mim?
Parecia ferido, quase que ofendido. E a sua voz exercia um curioso poder sobre ela, dando-lhe uma sensação de liberdade, de descontração.