Depois, mais estirado para o lume:
- É uma seca... Não há que ler. - E de repente, revoltado contra este fastio opressor que o escravizava, saltou da poltrona com um arranque de quem despedaça algemas, e ficou ereto, dardejando em torno um olhar imperativo e duro, como se intimasse aquele Seu 202, tão abarrotado de Civilização, a que por um momento sequer fornecesse à sua alma um interesse vivo, à sua vida um fugitivo gosto! Mas o 202 permaneceu insensível: nem uma luz, para o animar, avivou o seu brilho mudo: só as vidraças tremeram sob o embate mais rude de água e vento.
Então, o meu Príncipe, sucumbido, arrastou os passos até ao seu gabinete, começou a percorrer todos os aparelhos com. pletadores e facilitadores da Vida - o seu Telégrafo, o seu Telefone, o seu Fonógrafo, o seu Radiómetro, o seu Grafofone, o seu Microfone, a sua Máquina de Escrever, a sua Máquina de Contar, a sua Imprensa Elétrica, a outra Magnética, todos os seus utensílios, todos os seus tubos, todos os seus fios... Assim um suplicante percorre altares donde espera socorro. E toda a sua sumptuosa Mecânica se conservou rígida, reluzindo frigidamente, sem que uma roda girasse, nem uma lâmina vibrasse, para entreter o seu Senhor.
Só o relógio monumental, que marcava a hora de todas as capitais e o curso de todos os planetas, se compadeceu, batendo a meia-noite, anunciando ao meu amigo que mais um dia partira levando o seu peso - diminuindo esse sombrio peso da Vida, sob que ele gemia, vergado. O Príncipe da Grã-Ventura, então, decidiu recolher para a cama - com um livro... E durante um momento, estacou no meio da Biblioteca, considerando os seus setenta mil volumes estabelecidos com pompa e majestade como Doutores num Concílio - depois as pilhas tumultuárias dos livros novos que esperavam pelos cantos, sobre o tapete, o repouso e a consagração das estantes de ébano.