.. Essa tua ignorância trapalhona das coisas de Portugal!
O meu Príncipe deixou escorregar molemente a fotografia da minha prima de entre os dedos moles - que levou à face, no seu gesto horrendo de palpar através da face a caveira. Depois, de repente, com um soberbo esforço, em que se endireitou e cresceu:
- Bem! Alea jacta est! Partamos pois para as serras!... E agora nem reflexão, nem descanso!... À obra! E a caminho!
Atirou a mão ao fecho dourado da porta como se fosse o negro loquete que abre os Destinos - e no corredor gritou pelo Grilo, com uma larga e açodada voz que eu nunca lhe conhecera, e me lembrou a de um chefe ordenando, na alvo rada, que se levante o acampamento, e que a hoste marche, com pendões e bagagens...
Logo nessa manhã (com uma atividade em que eu reconheci a pressa enjoada de quem bebe óleo de rícino) escreveu ao Silvério mandando caiar, assoalhar, envidraçar o casarão. E depois do almoço apareceu na Biblioteca, chamado violentamente pelo telefone, para combinar a remessa de mobílias e confortos, o diretor da Companhia Universal de Transportes.
Era um homem que parecia o cartaz da sua Companhia, apertado num jaquetão de xadrezinho escuro, com polainas de jornada sobre botas brancas, uma sacola de marroquim a tiracolo, e na botoeira uma roseta multicor resumindo as suas condecorações exóticas de Madagáscar, da Nicarágua, da Pérsia, outras ainda, que provavam a universalidade dos seus serviços. Apenas Jacinto mencionou «Tormes, no Douro...» - ele logo, através de um sorriso superior estendeu o braço, detendo outros esclarecimentos, na sua intimidade minuciosa com essas regiões.
- Tormes... Perfeitamente! Perfeitamente! Sobre o joelho, na carteira, escrevinhou uma fugidia nota - enquanto eu considerava, assombrado, a - vastidão do seu saber corográfico, assim familiar com os recantos de uma serra de Portugal e com todos os seus velhos solares.