já ele atirara a carteira para o bolso... «E nós, seus caros senhores, não tínhamos senão a encaixotar as roupas, as mobílias, as preciosidades! Ele mandaria as suas carroças buscar os caixotes, a que poria, em grossa letra, com grossa tinta, o endereço...»
- Tormes, perfeitamente! Linha Norte-Espanha-Medina-Salamanca... Perfeitamente! Tormes... Muito pitoresco! E antigo, histórico! Perfeitamente, perfeitamente!
Desengonçou a cabeça numa vénia profundíssima - e saiu da Biblioteca, com passos que devoravam léguas, anunciavam a presteza dos seus Transportes.
- Vê tu - murmurou Jacinto muito sério. - Que prontidão. que facilidade! Em Portugal era uma tragédia. Não há senão Paris!
Começou então no 202 o colossal encaixotamento de todos os confortos necessários ao meu Príncipe para um mês de serra áspera - camas de pena, banheiras de níquel, lâmpadas Carcel, divãs profundos, cortinas para vedar as gretas rudes, tapetes para amaciar os soalhos broncos. Os sótãos, onde se arrecadavam os pesados trastes do avô «Galeão» foram esvaziados - porque o casarão medieval de 1410 comportava os tremós românticos de 1830. De todos os armazéns de Paris chegavam cada manhã fardos, caixas, temerosos embrulhos que os emaladores desfaziam, atulhando os corredores de montes de palha e de papel pardo, onde os nossos passos açodados se enrodilhavam. O cozinheiro, esbaforido, organizava a remessa de fornalhas, geleiras, bocais de trufas, latas de conservas, bojudas garrafas de águas minerais. Jacinto, lembrando as trovoadas da serra, comprou um imenso pára-raios. Desde o amanhecer, nos pátios, no jardim, se martelava, se pregava, com vasto fragor, como na construção de uma cidade. E o desfilar das bagagens, através do portão, lembrava uma página de Heródoto contando a marcha dos Persas.