A máquina apitava, com angústia. Uma lanterna lampejou, correndo. Jacinto batia o pé: - É medonho! É medonho!... - Entreabri a portinhola. Da claridade incerta das vidraças surdiam cabeças esticadas, assustadas. - « Que hay? Que hay? » - A uma rajada, que me alagou, recuei - e esperámos durante lentos, calados minutos, esfregando desesperadamente os vidros embaciados para sondar a escuridão. De repente o comboio recomeçou a rolar, muito sereno.
Em breve apareceram as luzinhas mortas de uma estação abarracada. Um condutor, com o casacão de oleado todo a escorrer, trepou ao salão - e por ele soubemos, enquanto carimbava apressadamente os bilhetes, que o trem, muito atrasado, talvez não alcançasse em Medina o comboio de Salamanca!
- Mas então?... O casaco de oleado escorregara pela portinhola, fundido na noite, deixando um cheiro de humidade e azeite. E nós encetámos um novo tormento... Se o trem de Salamanca - tivesse abalado? O salão, tomado até Medina, desengatava em Medina - e eis os nossos preciosos corpos, com as nossas preciosas almas, despejados em Medina, para cima da lama, entre - vinte e três malas, numa rude confusão espanhola, sob a tormenta de ventania e de água!
- Oh, Zé Fernandes, uma noite em Medina!
Ao meu Príncipe aparecia como desventura suprema essa noite em Medina, numa fonda sórdida, fedendo a alho, com gordas filas de percevejos através dos lençóis de estopa encardida!... Não cessei então de fitar, num desassossego, os ponteiros do relógio - enquanto Jacinto, pela vidraça escancarada, todo fustigado da chuva clamorosa, furava a negrura, na esperança de avistar as luzes de Medina e um comboio paciente fumegando... Depois recaía no divã, limpava os bigodes e os olhos, maldizia a Espanha. O trem arquejava, rompendo o vasto vento da planura desolada.