E a cada apito era um alvoroço. Medina?... Não! Algum sumido apeadeiro, onde o trem se atardava, esfalfado, resfolegando, enquanto dormentes figuras encarapuçadas, embrulhadas em mantas, rondavam sob o telheiro do barracão, que as lanternas baças tornavam mais soturno. Jacinto esmurrava o joelho: - Mas porque pára este infame comboio? Não há tráfico, não há gente! Oh esta Espanha!... - A sineta badalava, moribunda. De novo fendíamos a noite e a borrasca.
Resignadamente comecei a percorrer um «Jornal do Comércio», antigo, trazido de Paris. Jacinto esmagava o espesso tapete do salão com passadas rancorosas, rosnando como uma fera. E ainda assim se escoou, às gotas, uma hora cheia de eternidade. - Um silvo, outro silvo!... Luzes mais fortes, longe, palpitaram na neblina. As rodas trilharam, com rijos solavancos, os encontros de carris. Enfim, Medina!... Um muro sujo de barracão alvejou - e bruscamente, à portinhola aberta com violência, aparece um cavalheiro barbudo, de capa à espanhola, gritando pelo Sr. D. Jacinto!... Depressa! Depressa! Que parte o comboio de Salamanca!
- «Que no hay un momento, caballeros! Que no hay un momento!» Agarro estonteadamente o meu paletó, o «Jornal do Comércio». Saltamos com ânsia - e, pela plataforma, por sobre os trilhos, através de charcos, tropeçando em fardos, empurrados pelo vento, pelo homem da capa à espanhola, enfiámos outra portinhola, que se fechou com um estalo tremendo... Ambos arquejávamos. Era um salão forrado de um pano verde que comia a luz escassa. E eu estendia o braço, para receber dos carregadores açodados as nossas malas, os nossos livros, as nossas mantas - quando, em silêncio, sem um apito, o trem despegou e rolou. Ambos nos atirámos às vidraças, em brados furiosos:
- Pare! As nossas malas, as nossas mantas!.