Nunca ele então se demoraria a conversar com os rapazes, quando à borda de um caminho ou num campo em monda eles se endireitavam de chapéu na mão, num respeito de velha vassalagem. Decerto o empecia a preguiça, e talvez ainda o pudico recato de transpor toda a imensa distância que se alargava desde a sua complicada supercivilização até à rude simplicidade daquelas almas naturais - mas sobretudo o retinha o medo de mostrar a sua ignorância da lavoura e da terra, ou de parecer talvez desdenhoso de ocupações e de interesses, que para os outros eram supremos e quase religiosos. Remia então esta reserva com uma profusão de sorrisos, de doces acenos, tirando também o chapéu em cortesias profundas, com uma tal ênfase de polidez que eu por vezes receava que ele murmurasse aos jornaleiros: «Tenha Vossa Excelência muito boas tardes... Criado de Vossa Excelência!»
Mas agora, depois daquelas semanas de serra, e de já saber (com um saber ainda frágil) a época das sementeiras e das ceifas, e que as árvores de fruta se semeiam no Inverno, já se aprazia em parar junto dos trabalhadores, contemplar descansadamente o trabalho, dizer coisas afáveis e vagas.
- Então, isso vai andando?... Ora ainda bem!... Este bocado de torrão aqui é rico... O talude ali adiante está precisando conserto...
E cada um destes tão simples dizeres lhe era doce, como se por meio deles penetrasse mais fundamente na intimidade da terra, e consolidasse a sua. encarnação em «homem do campo», deixando de ser uma mera sombra circulando entre realidades. já por isso não cruzava no caminho o mocinho atrás das vacas, que não o detivesse, o não interrogasse: «Para, onde vais tu? De quem é o gado? Como te chamas?» E, contente consigo, sempre gabava gratamente o desembaraço do rapaz, ou a esperteza dos seus olhos.