E já passávamos o cruzeiro, quando o seu brado ardente de novo ressoou, com cava solenidade:
- Bendito seja o Pai dos Pobres! Direito, no meio da estrada, erguia o cajado como dirigindo as aclamações de um povo. E Jacinto pasmava de que ainda houvesse no reino um sebastianista.
- Todos o somos ainda em Portugal, Jacinto amigo! Na Serra ou na Cidade cada um espera o seu D. Sebastião. Até a lotaria da Misericórdia é uma forma de sebastianismo. Eu todas as manhãs, mesmo sem ser de nevoeiro, espreito, a ver se chega o meu. Ou antes a minha, porque eu espero uma D. Sebastiana... E tu, felizardo?
- Eu? Uma D. Sebastiana? Estou muito velho, Zé Fernandes... Sou o último Jacinto, Jacinto ponto final... Que casa é aquela com os dois torreões?
- A Flor da Malva. Jacinto tirou o relógio: - São três horas. Gastámos hora e meia... Mas foi um belo passeio, e instrutivo. É lindo este sítio.
Sobre um outeirinho, afastada da estrada por arvoredo, que um muro cerrava, e dominando, a Flor da Malva voltava para oriente e para o Sol a sua longa fachada com os dois torreões quadrados, onde as janelas, de varanda, eram emolduradas em azulejos. O grande portão de ferro, ladeado por dois bancos de pedra, ficava ao fundo do terreirinho, onde um imenso castanheiro derramava verdura e sombra. Sentado sobre as suas fortes raízes um pequeno esperava segurando um burro pela arreata.
- Está por aí o Manuel da Porta? - Ainda agora subiu pela alameda. - Bem, empurra lá o portão. E subimos, por uma curta avenida de velhas árvores, até outro terreiro, com um alpendre, uma casa de rapazes, toda coberta de heras, e uma casota de cão, donde saltou, corri um rumor de corrente arrastada, um molosso, o « Tritão», que eu logo sosseguei, reconhecendo o seu velho amigo Zé Fernandes.