- Santíssimo nome de Deus. Jacinto! Então és ainda o mesmo tremendo bebedor de água, hem?... Um aquático! como dizia o nosso poeta chileno, que andava a traduzir Klopstock.
Ele derramou, por sobre toda aquela garrafaria encarapuçada em metal, um olhar desconsolado:
- Não... É por causa das águas da Cidade, contaminadas, atulhadas de micróbios... Mas ainda não encontrei uma boa água que me convenha, que me satisfaça... Até sofro sede.
Desejei então conhecer o jantar do Psicólogo e do Simbolista - traçado, ao lado dos talheres, em tinta vermelha, sobre lâminas de marfim. Começava honradamente por ostras clássicas, de Marennes. Depois aparecia uma sopa de alcachofras e ovas de carpa...
- E bom? Jacinto encolheu desinteressadamente os ombros: - Sim... Eu não tenho nunca apetite, já há tempos... já há anos.
Do outro prato só compreendi que continha frangos e túbaras. Depois saboreariam aqueles senhores um filete de veado, macerado em Xerês, com geleia de noz. E por sobremesa simplesmente laranjas geladas em éter.
- Em éter, Jacinto? O meu amigo hesitou, esboçou com os dedos a ondulação de um aroma que se evola.
- E novo... Parece que o éter desenvolve, faz aflorar a alma das frutas... Curvei a cabeça ignara, murmurei nas minhas profundidades: Eis a Civilização! E, descendo os Campos Elísios, encolhido no paletot, a pensar neste prato simbólico, considerava a rudeza e o atolado atraso da minha Guiães, onde desde séculos a alma das laranjas permanece Ignorada e desaproveitada dentro dos gomos sumarentos, por todos aqueles pomares que ensombram e perfumam o vale, da Roqueirinha a Sandofim! Agora porém, bendito Deus, na convivência de um tão grande iniciado como Jacinto, eu compreenderia todas as finuras e todos os poderes da Civilização.