gabinete de Jacinto para escrever a minha tia Vicência, enquanto ele ficara no toucador com o manicuro que lhe polia as unhas, passámos nesse delicioso palácio, florido e em gala, por bem corriqueiro susto! Todos os lumes elétricos, subitamente, em todo o 202, se apagaram! Na minha imensa desconfiança daquelas forças universais, pulei logo para a porta, tropeçando nas trevas, ganindo um «Aqui-d'el-rei!» que tresandava a Guiães. Jacinto em cima berrava, com o manicuro agarrado ao pijama. E de novo, como serva ralaça que recolhe arrastando as chinelas, a luz ressurgiu com lentidão. Mas o meu Príncipe, que descera. enfiado, mandou buscar um engenheiro à Companhia Central da Eletricidade Doméstica. Por precaução outro criado correu à mercearia comprar pacotes de velas. E o Grilo desenterrava já dos armários os candelabros abandonados, os pesados castiçais arcaicos dos tempos incientíficos de «D. Galeão» - era uma reserva de veteranos fortes, para o caso pavoroso em que m ais tarde, à ceia, falhassem perfidamente as forças bisonhas da Civilização. O eletricista, que acudira esbaforido, afiançou porém que a Eletricidade se conservaria fiel, sem outro amuo. Eu, cautelosamente, soneguei na algibeira dois cotos de estearina.
A Eletricidade permaneceu fiel, sem amuos. E quando desci do meu quarto, tarde (porque perdera o colete de baile e só depois de uma busca furiosa e praguejada o encontrei caído por trás da cama!), todo o 202 refulgia, e os tziganes, na antecâmara, sacudindo as guedelhas, atiravam as arcadas de uma valsa tão arrastadora que, pelas paredes, as imensas personagens das tapeçarias, Príamo, Nestor, o engenhoso Ulisses, arfavam, buliam com os pés venerandos!
Timidamente, sem rumor, puxando os punhos, penetrei no gabinete de Jacinto.