A Cidade e as Serras - Cap. 5: CAPÍTULO V Pág. 64 / 238

porta do Water-Closet!

Mais amargamente porém me lembro da noite histórica em que, no meu quarto, moído e mole de um passeio a Versalhes, com as pálpebras poeirentas e meio adormecidas, tive de desalojar do meu leito, praguejando, um pavoroso Dicionário de Indústria em trinta e sete volumes! Senti então a suprema fartura do livro. Ajeitando, com murros, os travesseiros, maldisse a Imprensa, a facúndia humana... E já me estirara, adormecia, quando topei, quase parti a preciosa rótula do joelho, contra a lombada de um tomo que velhacamente se aninhara entre a parede e os colchões. Com furor é um berro empolguei, arremessei o tomo afrontoso - que entornou o jarro, inundou um tapete rico de Daghestan. E nem sei se depois adormeci porque os meus pés, a que não sentia nem o pisar nem o rumor, como se um vento brando me levasse, continuaram a tropeçar em livros no corredor apagado, depois na areia do jardim que o luar branqueava, depois na Avenida dos Campos Elísios, povoada e ruidosa como numa festa cívica. E, oh portento!, todas as casas aos lados eram construídas com livros. Nos ramos dos castanheiros ramalhavam folhas de livros. E os homens, as finas damas, vestidos de papel impresso, com títulos nos dorsos, mostravam em vez de rosto um livro aberto, a que a brisa lenta virava docemente as folhas. Ao fundo, na Praça da Concórdia, avistei uma escarpada montanha de livros, a que tentei trepar, arquejante, ora enterrando a perna em flácidas camadas de versos, ora batendo contra a lombada, dura como calhau. de tomos de Exegese e Crítica. A tão vastas alturas subi, para além da Terra, para além das nuvens, que me encontrei, maravilhado, entre os astros. Eles rolavam serenamente, enormes e mudos, recobertos por espessas crostas de livros, donde surdia, aqui e além, por alguma fenda, entre dois volumes mal juntos, um raiozinho de luz sufocada e ansiada.





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